sábado, 13 de janeiro de 2007

Perguntas e respostas Interrupção Voluntária da Gravidez - Artigo da Revista «O Militante» nº286

Artigo da Revista «O Militante» nº286 Janeiro/Fevereiro 2007


Que dizem as instâncias internacionais?

A ONU, a OMS, o Fundo das Nações Unidas para a População, a Associação Internacional para o Planeamento Familiar, o Parlamento Europeu, têm vindo a alertar para as consequências do aborto clandestino na saúde das mulheres.

. A Conferência do Cairo (1994) insta todos os governos, organizações intergovernamentais e não governamentais a intensificarem a sua acção relativamente à saúde das mulheres, devendo o aborto clandestino ser encarado como um grave problema de saúde pública.

. A Conferência de Pequim (1995) insta todos os governos a considerar a possibilidade de rever as leis que prevêem medidas punitivas contra as mulheres que abortam ilegalmente.

. A 26.ª sessão do Comité das Nações Unidas para a Eliminação das Discriminações contra as Mulheres (Fevereiro 2002) afirmou: «O Comité está preocupado com as leis restritivas em vigor em Portugal, em particular, porque os abortos clandestinos têm sérios impactos negativos na saúde das mulheres e no seu bem-estar. O Comité insta o Estado-membro para que facilite o diálogo nacional sobre a saúde reprodutiva das mulheres, incluindo sobre as leis restritivas de aborto».

. O Parlamento Europeu (Resolução de 3 Julho 2003) recomendou: «que, a fim de salvaguardar a saúde reprodutiva e os direitos das mulheres, a interrupção voluntária da gravidez seja legal, segura e universalmente acessível» e exortou os governos «a se absterem, em qualquer circunstâncias, de agir judicialmente contra as mulheres que tenham feito abortos ilegais».

. Em Março de 2005, 130 governos reunem-se na Comissão da ONU sobre a Situação da Mulher para examinar o progresso alcançado com a Conferência de Pequim

. Foi derrotada a tentativa, protagonizada pela actual Administração Bush, de aditar às conclusões de Pequim uma declaração anti-aborto.


Qual é o actual quadro legal em matéria de IVG?

O nosso Código Penal estabelece que não é punível quando for efectuada, com consentimento da mulher, por médico (ou sob a sua orientação), em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, nas seguintes situações:
a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher, ou casos de fetos inviáveis (sem limite de tempo);
b) Se mostrar indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física e psíquica da mulher e for realizada nas primeiras 12 semanas da gravidez;
c) Houver motivos seguros para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita (aborto eugénico) e for realizada nas primeiras 24 semanas;
d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual (por exemplo violação) e a IVG for realizada nas primeiras 16 semanas.
Com excepção destas razões, a mulher é punida com pena de prisão até 3 anos (art.º 141.º, n.º 3 do Código Penal). As pessoas que ajudarem podem ser julgadas por cumplicidade (art.º 27.º do Código Penal). O aborto é crime público, ou seja o procedimento judicial não está dependente de qualquer queixa prévia.


A actual Lei 6/84 é suficiente?

Não. As causas previstas no Código Penal são muito restritivas, continuando a constituir crime, com penas de prisão até 3 anos, as principais razões que levam as mulheres a uma IVG – e que são razões económicas e sociais e a ausência de condições para assegurar uma maternidade-paternidade. Isto empurra as mulheres para circuitos clandestinos e inseguros, ou obriga-as a deslocarem-se ao estrangeiro.
A actual lei é desajustada da realidade social. As mulheres quando decidem interromper uma gravidez fazem-no, independentemente das idades, classes sociais, concepções filosóficas e religiosas ou quadrantes políticos e partidários.
A gravidez não desejada é, em muitos casos, resultado de falhas na contracepção ou de uma relação sexual não protegida, em que a mulher desconhece, ou não teve acesso em tempo útil à contracepção de emergência (pílula do dia seguinte).
É uma lei injusta para as mulheres, para as jovens das classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecida, que são as que se sujeitam a todos os perigos resultantes do aborto clandestino – circuitos clandestinos e inseguros, com prejuízos para a saúde, risco de se sentarem nos bancos dos réus e de serem condenadas.
E é injusta para todas as mulheres, independentemente de recorrerem ou não alguma vez a uma IVG, porque o Código Penal se sobrepõe à sua vontade e ao direito de, em liberdade, decidirem sobre questões da sua esfera privada e íntima.


O que se sabe sobre aborto clandestino?

O aborto clandestino é uma realidade. A sua criminalização nunca dissuadiu as mulheres de o praticar.
Actualmente estima-se que se realizem por ano entre 20/40 mil abortos clandestinos. Sabe-se que 9 mil portuguesas se deslocaram a clínicas espanholas entre 1996 e 2002. Estudos recentes estimam que uma em cada 200 jovens, entre os 15 e os 19 anos, já abortou e que uma em cada 50 jovens de 19 anos admite ter realizado um aborto.

Ao abrigo da lei, qual é o número de IVG praticadas em meio hospitalar?

As causas previstas são muito restritivas e muito restritiva tem sido a sua interpretação por parte das direcções dos serviços públicos de saúde, com a cumplicidade de sucessivos governos.
A pedido do Grupo Parlamentar do PCP, a DGS, no seu relatório «Registos dos episódios de internamento relacionados com a IVG para o período 2001 a 2005», fornece os seguintes dados: em 50 serviços de ginecologia/obstetrícia do Continente, foram realizadas ao abrigo da lei 2929 IVG. E foram ainda identificadas 5615 entradas nos hospitais por complicações resultante de aborto clandestino e 28 545 de aborto espontâneo – o que, segundo a OMS, quando os abortos são clandestinos, normalmente são referenciados como espontâneos, ou então não são relatados.


É verdade que Portugal e a Irlanda são os países da UE com a legislação mais restritiva em matéria de aborto?

É verdade. A Irlanda é o único país da UE onde o aborto é proibido em qualquer circunstância. Em Portugal não são contempladas as razões económicas e sociais como causa para a mulher realizar um aborto, ao contrário do que acontece com a esmagadora maioria dos outros países europeus. Por outro lado, a interpretação da actua lei pelos serviços médicos é demasiado restritiva, o que justifica o baixo número de abortos efectuados ao abrigo da lei.


É verdade que a lei penal portuguesa e a espanhola, no que respeita ao aborto, são similares, só que em Portugal é aplicada de forma muito restritiva?

Na verdade a lei espanhola tem aspectos até mais restritivos que a lei portuguesa, como por exemplo os prazos para o aborto eugénico (22 semanas), ou na sequência de violação (12 semanas). Contudo, enquanto os serviços públicos de saúde fazem uma interpretação restritiva da lei, assim já não acontece com as clínicas privadas espanholas aonde se faz a larga maioria das IVGs. De destacar que a lei espanhola não pune as mulheres que recorram ao aborto clandestino nos casos em que esse aborto tenha sido praticado pelos motivos que a lei permite (no entanto, os médicos, parteiras e outros são punidos). De assinalar que, desde Fevereiro de 2000, Espanha autorizou a pílula abortiva RU-486 nos serviços de saúde, possibilitando a rapidez de atendimento nestes serviços. Está também regulamentada por lei a forma como se processa a creditação de estabelecimentos de saúde privados para efeitos da prática da IVG, assim como as exigências impostas (especialistas, instalações, práticas médicas a seguir, etc.).